Faz tempo que as relações entre a superpotência mundial e a primeira economia europeia não são boas, mas a Conferência de Segurança que ocorreu em Munique neste fim de semana serviu como termômetro do momento. E a temperatura está muito alta. O secretário de Estado dos EUA, John Kerry, tentou reduzi-la neste domingo, depois de uma intervenção mais acalorada do vice-presidente Joe Biden e das discussões exaltadas conduzidas a portas fechadas sobre a conveniência de armar ou não Kiev.
A insistência de Biden no direito dos ucranianos de se defenderem contrastava com o rechaço categórico expressado antes por Merkel e sua ministra da Defesa, Ursula von der Leyen, de enviar mais armas à região. O discurso do vice-presidente não deixou um gosto bom na boca dos políticos alemães consultados. Fontes parlamentares consideram “vergonhosas” algumas de suas passagens — como por exemplo criticar a corrupção na Rússia, mas não fazê-lo em relação à Ucrânia — que forneceriam argumentos fáceis para a propaganda do Kremlin. A mesma fonte admite que as relações entre os dois países atravessa uma fase difícil, na qual a desconfiança mútua não para de crescer.
Depois das palavras de Biden e, sobretudo, dos falcões republicanos John McCain e Lindsey Graham, que criticaram Merkel por dar as costas ao povo ucraniano, por não ter “a menor ideia”, por agir como os aliados diante de Hitler nos anos trinta e outros comentários semelhantes, Kerry relaxou o ambiente. “Estamos unidos. Tivemos discussões, mas de natureza tática, não estratégica. Todos estamos de acordo quanto ao objetivo final”, disse em Munique, sentado ao lado de seus colegas alemão e francês, Frank-Walter Steinmeier e Laurent Fabius, respectivamente.
“Rejeitamos o estilo testosterona de Putin; por isso não queremos enviar armas. Temos enormes diferenças com os EUA em assuntos muito diversos, mas isso não nos faz esquecer a estreita cooperação que nos une a eles”, explica Omid Nouripour, porta-voz das Relações Exteriores dos Verdes.
Essas outras divergências às quais Nouripour se refere voltaram a ficar evidentes há apenas uma semana. Em uma entrevista à CNN, Obama se mostrou compreensivo com a tese do novo Governo grego e aproveitou, além disso, a ocasião para lançar um golpe pouco dissimulado a Merkel e suas políticas de austeridade. “Não se pode continuar pressionando um país que se afunda na depressão. A população grega está sofrendo muito”, disse o presidente dos Estados Unidos.
“O eixo franco-alemão está passando por momentos ruins, mas vai se recuperar, porque é fundamental para ambos. Fico mais surpreso com a deterioração das relações entre Berlim e Washington”, destacavam fontes diplomáticas há alguns dias. A situação atual é explicada por uma mistura de desinteresse americano e desconfiança alemã: faz tempo que os EUA prefere olhar para o Pacífico do que para a velha Europa; e em Berlim ainda pesa o escândalo revelado pelo ex-espião Edward Snowden, o que faz com que a promotoria alemã continue investigando as escutas ao celular de Merkel. No fundo, também influi a relação um tanto bipolar que os alemães têm com o amigo americano, que passa por fases de amor —primeira eleição de Obama— intercaladas por outras de ódio —guerra do Iraque. Esse vínculo visceral também está presente no apaixonado debate que o país vive sobre o acordo comercial entre Europa e UE, que divide em dois, entre outros partidos, os sociais-democratas.
Talvez a chave para explicar a perspectiva diferente com a qual são vistos os problemas com o Krêmlin a partir de Washington e de Berlim tenha sido dada ontem pelo ministro Steinmeier. “Me perguntam se Putin será nosso amigo, parceiro, rival ou inimigo”, afirmou o político social-democrata. Sua resposta é que, aconteça o que acontecer, só se pode garantir uma coisa: que continuará sendo seu vizinho.
Fonte: El País/Plano Brasil
Fonte: Crise ucraniana expõe os desacordos entre Alemanha e EUA»
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