Em 2008, os jornais anunciaram a descoberta de um grupo de seres humanos até então desconhecido na floresta amazônica brasileira, em artigos acompanhados por fotos surpreendentes mostrando guerreiros da Idade da Pedra apontando flechas contra um avião. “A tribo amazônica que se escondia do mundo até agora”, afirmou o jornal britânico Independent em uma manchete sensasionalista . Na verdade, não era essa a situação real: o governo brasileiro sabia da existência dessa tribo isolada há quase um século, ainda que nos últimos anos as autoridades viessem evitando contato a fim de proteger os indígenas contra as doenças da civilização. O especialista em assuntos indígenas José Carlos dos Reis Meirelles, que conduziu a busca do governo pela tribo, revelou posteriormente que vinha acompanhando sua existência, de longe, há duas décadas .
Não foi a primeira vez que alguém emergiu da selva com uma história de contato com tribo perdida. Em 1977, um médico francês alegou ter descoberto uma tribo perdida na Amazônia peruana, cujos membros só usavam tangas e miçangas, forçavam prisioneiros a trabalhar em uma mina de ouro e ocasionalmente realizavam brutais sacrifícios humanos que envolviam arrancar corações . Parece que essa história também não era verdadeira.
Mesmo assim, é inevitável imaginar se não existem seres humanos ainda não descobertos, em porções remotas do mundo – pessoas que de alguma forma conseguiram escapar tanto à curiosidade quanto, muitas vezes, aos instintos homicidas de seus parentes humanos mais avançados em termos tecnológicos e sociais.
Provavelmente não devemos ter grandes esperanças. Os especialistas afirmam que, já que a civilização vem reduzindo em ritmo alarmante nas áreas ainda remanescentes de floresta tropical virgem, e dadas as tecnologias cada vez mais sofisticadas para detectar presença humana em áreas selvagens, parece cada vez menos provável que um tribo perdida clássica ainda exista. Mas é bom ressaltar que a hipótese tampouco pode ser descartada de todo, porque ainda existem locais como o Estado brasileiro do Amapá, no qual 70% do território consiste de selva que continua inexplorada. E, se de fato existem povos não descobertos, não saberíamos que eles estão por lá, não é mesmo?
Mais o que quer dizer povo “indescoberto”?
Os seres humanos estão dispersos por todos os continentes, exceto a Antártida, há milhares de anos. Assim, o conceito de um grupo de pessoas como “indescobertas” só existe na imaginação de um explorador vindo de outras partes. E ocasionalmente a imaginação exagera. Séculos atrás, quando os europeus começaram a se aventurar para além de seu continente, os cartógrafos da região preenchiam os espaços sobre os quais nada conheciam com terras habitadas por mutantes fantasiosos, seres que eram meio animais e meio homens . Deve ter sido uma decepção para eles descobrir que os habitantes dos lugares inexplorados da América apresentavam anatomia notavelmente semelhante à dos europeus.
Mesmo hoje, ao falarmos sobre a possibilidade de grupos não descobertos de povos aborígines, estamos na verdade falando de povos sobre os quais apenas nós nada sabemos. Outros povos aborígines da região, que podem ter travado guerras ou relações comerciais com o povo indescoberto, sabem tudo sobre o grupo “misterioso”. Outra armadilha em que gente desprevenida (os jornalistas que descreveram a última tribo e suas flechadas contra aviões, por exemplo) costuma cair é o uso da palavra “indescoberto” como se fosse sinônimo de “sem contato”. Esse último termo se refere a um grupo cuja existência conhecemos mas com o qual não mantivemos interações, ao menos recentemente. Uma organização de Londres estima-se que existam cerca de 100 tribos sem contato em todo o mundo, em áreas que variam da América do Sul às ilhas do Oceano Índico e do Pacífico. Na verdade, de acordo com a Survival International, a maioria deles sabe tudo que precisa saber sobre nossa sociedade, e não quer contato com ela.
Por que alguns povos se escondem da civilização moderna?
A tribo mais isolada do mundo segundo a Survival International é a dos sentinelese, um grupo que os cientistas acreditam descenda diretamente dos primeiros seres humanos a sair da África. Pelo últimos 60 mil anos, pouco mais ou menos, eles viveram em um canto isolado das ilhas Andaman, no Oceano Índico, e seu contato com os demais ilhéus das Andaman é tão escasso que eles até falam idiomas diferentes. Mas os sentinelese não pararam na Idade da Pedra – produzem armas e ferramentas de metal, recuperado de navios naufragados. Estão informados sobre o mundo exterior. Mas não desejam se integrar a ele. Quando um helicóptero de resgate voou sobre seu território depois do tsunami do Oceano Índico, em 2004, um homem zangado apontou uma flecha contra a aeronave. A mensagem era clara: Não venham aqui. Mas o fato é que muitas que não o fizeram terminaram escravizadas ou exterminadas. É uma tradição que remonta ao venerável Cristóvão Colombo, cujo primeiro pensamento ao encontrar o amistoso povo arawak, nas Índias Ocidentais, foi o de que eles poderia ser bons criados . E todos nós sabemos o que aconteceria posteriormente aos astecas, incas e às tribos indígenas dos Estados Unidos, depois de fazerem contato com os europeus. Mais recentemente, temos o exemplo dos problemas encontrados pelos akunzu, uma tribo que caçou e cultivou milho em um rincão remoto do Brasil por milhares de anos, antes de ser descoberta em 1980 por colonos que desejavam a terra para plantar soja e criar gado. Em 1990, forasteiros massacraram toda a tribo, matando centenas de pessoas exceto sete fugitivos que escaparam e se refugiaram na floresta. Em 2009, uma reportagem de jornal revelou que apenas cinco akunzu continuavam vivos.
Mesmo quando os forasteiros não são homicidas, trazem uma ameaça ainda maior: micróbios ante os quais os povos aborígines não têm imunidade. No final dos anos 80, por exemplo, depois que missionários cristãos bem-intencionados fizeram contato com a tribo Zo’é, no Brasil, 45 dos membros da tribo morreram imediatamente, de gripe, malária e doenças respiratórias. Felizmente, o governo brasileiro expulsou o grupo religioso e os Zo’é retornaram gradualmente à sua existência isolada mas saudável.
Assim, não é muito difícil compreender por que um grupo pode preferir se manter invisível. A grande dúvida é sua capacidade de fazê-lo.
Mesmo quando os forasteiros não são homicidas, trazem uma ameaça ainda maior: micróbios ante os quais os povos aborígines não têm imunidade. No final dos anos 80, por exemplo, depois que missionários cristãos bem-intencionados fizeram contato com a tribo Zo’é, no Brasil, 45 dos membros da tribo morreram imediatamente, de gripe, malária e doenças respiratórias. Felizmente, o governo brasileiro expulsou o grupo religioso e os Zo’é retornaram gradualmente à sua existência isolada mas saudável [fonte: Threats - em inglês].
Assim, não é muito difícil compreender por que um grupo pode preferir se manter invisível. A grande dúvida é sua capacidade de fazê-lo.
Fontes: [HSW]
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